junho 13, 2009

“Saúdo-te, meu irmão em Universo”

Tenho tido alguns problemas com a pilha de livros que me cerca. Confesso que me agrada a ideia de “uma pilha de livros”. Aprecio igualmente a biblioteca com cama do inefável Pacheco Pereira (embora não me imagine apenas a dormir na dita), e outras com sofá cama, casa de banho privativa, SPA e sótão (na minha terra chamavam-lhe falsos) embutido. Cresci, numa outra banda, entre resmas de banda desenhada, livros da série ”Condor”, “Falcão” e sucedâneos. Outros havia ainda que apenas tinham “texto”, “sem figuras”, como diziam os meus amigos, e a seu lado brandiam espadas alguns livros de aventuras, enciclopédias de curiosidades, medianos romances traduzidos do francês e a “Viagem ao Mundo da Droga”. Aos dez anos, por aí (que me perdoe a Agustina), o meu livro preferido era o Papillon (lembram-se do filme com o Steve McQueen e o Dustin Hoffman?) escrito (e vivido na 1ª pessoa) pelo inventivo e grande precursor de estórias da vida real Henri Charrière. Pouco depois, descobri a “Tabacaria” do Álvaro de Campos que afinal se chamava Fernando Pessoa. “Este gajo escreve aquilo que eu não consigo exprimir”- pensei eu na altura. Foi o meu 1º estado de embriaguês total, ainda sem qualquer aditivo (belos tempos!). Mais tarde intercedi várias vezes pelo sr. Pessoa nas aulas de português. Um belo dia, numa pretensa interpretação de alguns poemas (na realidade o professor queria que disséssemos aquilo que estava determinado dizer-se), chateei-me com o cânone e vociferei contra as academias, as amarras e os reposteiros de época. Corriam a negro os anos oitenta, e até já tínhamos hipermercados, mas quanto a cânones e interpretações era o diabo a quatro. À terceira, o professor disse qualquer coisa como “o Sr. não está aqui para pensar”, e eu levei aquilo a peito (ainda assim devo dizer que se aprendia qualquer coisa). Daí à biblioteca do burgo foi um pulo. Nos dias seguintes já jogava à bola com o Cesário Verde e tínhamos um tal de Walt Whitman na equipa que não percebia nada de bola mas escrevia coisas fabulosas como:
 
“Nunca houve mais princípio do que agora,
Nem mais juventude ou velhice do que agora,
E nunca haverá mais perfeição do que agora,
Nem mais Céu ou Inferno do que agora.”

Walt Whitman,“Canto de Mim Mesmo", Assírio&Alvim, tradução de José Agostinho Baptista

Adenda: a frase título é retirada de um poema de Álvaro de Campos denominado “Saudação a Walt Whitman”

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