agosto 10, 2008

Com dois dias de atraso mas com muitas leituras às costas

Ruy Belo (1933-1978)

Por motivos nada alheios ao escriba, entre viagens curtas de rapina, apenas agora relembro o esquecidíssimo poeta Ruy Belo a um Portugal “que verdadeiramente não existe”. Ruy Belo morreu a 8 de Agosto de 1978 (30 anos). Parece que a partir de agora (embora já com várias reedições das suas obras) os meliantes do regime finalmente lhe deitaram a unha. Lá está a impagável Inês Pedrosa e adivinho outros. Nada contra se lerem os poemas. 

MORTE AO MEIO-DIA

No meu país não acontece nada
à terra vai-se pela estrada em frente
Novembro é quanta cor o céu consente
às casas com que o frio abre a praça

Dezembro vibra vidros brande as folhas
a brisa sopra e corre e varre o adro menos mal
que o mais zeloso varredor municipal
Mas que fazer de toda esta cor azul

que cobre os campos neste meu país do sul?
A gente é previdente cala-se e mais nada
A boca é pra comer e pra trazer fechada
o único caminho é direito ao sol

No meu país não acontece nada
o corpo curva ao peso de uma alma que não sente
Todos temos janela para o mar voltada
o fisco vela e a palavra era para toda a gente

E juntam-se na casa portuguesa
a saudade e o transístor sob o céu azul
A indústria prospera e fazem-se ao abrigo
da velha lei mental pastilhas de mentol

Morre-se a ocidente como o sol à tarde
Cai a sirene sob o sol a pino
Da inspecção do rosto o próprio olhar nos arde
Nesta orla costeira qual de nós foi um dia menino?

Há neste mundo seres para quem
a vida não contém contentamento
E a nação faz um apelo à mãe,
atenta a gravidade do momento

O meu país é o que o mar não quer
é o pescador cuspido à praia à luz
pois a areia cresceu e a gente em vão requer
curvada o que de fronte erguida já lhe pertencia

A minha terra é uma grande estrada
que põe a pedra entre o homem e a mulher
O homem vende a vida e verga sob a enxada
O meu país é o que o mar não quer

in “Boca Bilingue” (1966)

2 comentários:

Anônimo disse...

I truly appreciate it.

Anônimo disse...

De todos os posts que tive oportunidade de ler sobre os trinta anos da morte do grande Ruy Belo este foi o menos pretencioso /literário, ou banal..
muito boa onda