março 20, 2018

Perder teorias*


(The Velvet Urderground & Nico, 1966)

Se, por exemplo, “There she goes again” é um produto (vamos assim chamar-lhe) do seu tempo e de uma geografia musical que viajava entre as ilhas britânicas, cruzando o Atlântico (não necessariamente por esta ordem), até respirar melhor junto ao Pacífico numa cavalgada de novos pioneiros; “Venus in furs”, por outro lado, sempre me pareceu sem prazo de validade, projectando-se no tempo e no espaço, sem necessidade de bater à porta dos herdeiros ou da memória. É claro que, se calhar, “Sunday Morning” (embora aqui também se consiga – muitos anos depois é sempre mais fácil – proceder a uma localização temporal ) ou “Heroin” também sejam bons exemplos da projecção e influência da música dos Velvet Underground nas décadas e gerações seguintes, mas (e) também por isso mesmo, mais palpáveis, imediatas e (agora fala o meu ouvido), mais cansadas de tanto batidas. Não falo sequer (de propósito) das cantadas pela Nico, pois logo sobrevoam imagens de pistas de dança em Viana, Braga, Barcelos, com bolinhas de cores projectadas no dancing nocturno ou na matinée de todos nós. São lindas e é tudo. É claro que, se quisermos, “The Black Angel’s death song” e (sobretudo) “European Song”, são o anúncio (não confundir com prenúncio) da nova era (uf, o que ainda tivemos que esperar) do noise e da distorção, Spaceman 3, para não me espetar agora com os (intelectuais) Sonic  Youth, vieram para nos salvar, e o silêncio nunca mais foi igual. Quer dizer, as juventudes sónicas, as paisagens da distorção dos oitentas, noventas e por aí fora, lá se foram lambuzar, é certo, mas nestes temas (o sr. Cale está bem presente em ambos), temos o docinho da estranheza, da libertação, tudo muito lá para o fim, como se fosse a travessura radical para os meninos se divertirem. Em “Venus in furs”, de acordo com o meu ouvido e experiência psicomotora musical, já lá está tudo, deixando ainda espaço para uma quantidade enorme de coisas que, não estando, acabarão (com o tempo)  por estar, porque anunciam, projectam, desbravam tanto caminho que depois a catana fica em suspenso, danada, pelo pouco trabalho que tem de realizar. Os Velvet Underground são o primeiro projecto artístico pós-moderno e Andy Warhol (que ainda recentemente se passeava por Braga na pele de um sósia cagadinho) é o pai, ou o tio, da cultura pop, seja lá isso o que for. Talvez esse “pop” afinal se sobreponha a Venus in Furs. Ou não. Agora vou ver se o chão da cozinha já secou…


* título sacado de um livro de Vila-Matas, talvez o único do autor que não acabei. Espera aí, foi esse e aquele outro do Kassel não convida não sei a quê, escrito após uma cena qualquer pós-moderna. Isto anda tudo ligado por correntes ínfimas. Não?

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