(Pinhel, ameias voltadas a Oeste)
Nascido minhoto, de Barcelos, habituado a gente, muita água
e a cantar de galo, dos livros e viagens conhecedor do país, com vivências
longas em Coimbra e Braga (entre outras menos significativas mas igualmente
marcantes), há já alguns anos que aporto em Pinhel, duas a três vezes por ano,
mais, se o tempo e a disposição de quem me recebe, o permite.
Nada disto interessa. Ou
interessa(rá) apenas a uns quantos. O turista acidental, o passeante cultural,
mesmo o estudioso da história, ou a da pré-história (a propósito, no museu do
Côa, alguns quilómetros a este, não nos cruzamos com mais ninguém, não contando
com os funcionários em pleno tédio vegetativo), estando por ali de passagem,
observa com olhos de trazer por casa, a sua casa, não poupando panegíricos às
paisagens, ao sossego, escrevendo (mentalmente, claro) odes aos calhaus dos
castelos (é assim que se chama a zona histórica de Pinhel), isto enquanto
procura um restaurante (onde se coma bem), fotografando-se as milhares de vezes que forem necessárias.
Caso raro, conhece, ou troca, uma ou duas impressões com os indígenas. Às vezes
o adiantado da hora apanha-o longe de mesa e cama lavada, mas sempre perto da
hospitalidade de um prato de sopa e pão com chouriço. O bastante para
descomprimir, dirá mais tarde.
Ora, o turista, o passeante, o
estudioso, se olhasse para além do sossego, das ruas desertas, do caldo de
pedra que a natureza serve aos olhares, veria, ou julgaria ver, a história,
ou as estórias, de uma região que, não obra do acaso é parte do país chamado
Portugal, servindo-lhe, durante muitos anos, de tampão, coisa que se pode
comprovar de qualquer ameia que encontre por perto, ou escutando o vento leste,
aquele que vem de Espanha. Embora o gasóleo seja lá muito mais barato. E se por qualquer desvario
continuassem a olhar, encontrariam, pouca, ou nenhuma, publicidade à miséria,
mesmo aquela devidamente embalada em produto cultural, e um ou outro evento,
nada original, daqueles que já não chegam em paquetes, mas na camioneta da
carreira. E nem sequer há neve que se veja.
A história mais recente do Concelho
de Pinhel, distrito da Guarda, é a história de uma sangria. Hemorrágica, nas décadas de sessenta/setenta do século passado, com consequências que perduram e
são conhecidas, ou deveriam sê-lo. Europa (sobretudo), África (colónias) e
América foram os destinos. Ficaram os campos desertos, a floresta abandonada, e
alguns indefectíveis. As razões da partida? Ainda não se conhecia a palavra
economia, e a vida continuou.
Continuou, até que os filhos dos
que ficaram foram estudar para fora cá dentro. E ficaram do lado de fora cá
dentro, nunca se sabe, com esta coisa do local global. A malta encontra-se nas
festas, sejam estas familiares, populares, ou todas as outras que chegam na
camioneta. Assim como chegam, partem. Ficam os indefectíveis e alguns planos
discutidos entre copos. Outros voltam para ficar, mas são tão poucos que não
chegam para jogar uma partida de sueca.
Vierem as estradas, outras
sofreram melhoramentos. É mais rápido chegar, muito mais fácil será partir. Por
decreto, ou coisa parecida, devidamente subsidiada, chegaram algumas unidades
industrias. A principal destas, a Rhode, desapareceu em 2006. Ficaram 370
pessoas a acenar na sua partida. O antigo espaço da Rhode (Rhode que merecia
uma história à parte), passou a chamar-se pomposamente de Centro logístico de
Pinhel. Alberga, dizem-nos, umas pequenas unidades de calçado, e agora também
umas empresas de aeronáutica (a sério) francesas. Tudo somado é muito pouco.
Os decretos continuam a acenar as suas possibilidades políticas.
Agora que a palavra economia é
conhecida e adquire vários sentidos, muitos destes em língua inglesa,
percebe-se que o tecido económico do concelho é, na verdade, uma manta de retalhos
(apenas visível de vista aérea – daí, se calhar, as empresas aeronáuticas),
cozida pelo município. A câmara é o grande empregador directo e indirecto. Tudo
acaba por desaguar ali. Nas festas, o panegírico ao status quo assume contornos de síndrome psicológico. As autoridades
passeiam-se com uma legitimidade apenas possível num sucedâneo da democracia. É
tudo em ponto pequeno – até a vergonha – o bastante para percebemos o irremediável
desta modernidade de pacotilha. Nada disto terá aqui origem demarcada. E a vida
continua.
Nota: parece que agora a nova
aposta será a criação de falcões (Pinhel é a Cidade Falcão), certamente para
vigiarem a manta de retalhos. Os pombos
que se cuidem. A vida continuará, certamente.
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