janeiro 26, 2014

Post mortem (IV)


Diz que foi na baixa idade média da minha vida – nessa altura as trevas tinham um sabor especial e brevemente desembocariam em indumentária a preceito – que recebi a minha primeira aparelhagem a sério: duas bufadeiras de cassetes, gira-discos, rádio digital, garagem para colocação de material diverso, duas colunas de som fabulosas e seis ou sete botões que faziam as delícias das pontas dos meus dedos e inveja aos atónitos parceiros de musicol (quase todos imaginários). Tudo enfarpelado num único espaço geográfico em forma de caixa, cor preta, tampo de vidro e… rodinhas. O significado daquele objecto começou a encaixar no mundo como um abraço que se prolongava do meu corpo, deixando o objecto de ser objecto para ser sujeito e suplemento vitamínico, um caso de adição cuja desmama nem queiram saber. A partir daí as coisas ficaram a mesma merda só que com grande banda sonora e todos os sonhos do mundo. E a avó lá estava para trocar o objecto por escudos. Ou contos. Porque as coisas custa(va)m dinheiro. A cereja em cima do bolo medrou várias vezes, num processo quase evolutivo que descambou no objecto que encima o outro: um leitor de cassetes com auscultadores. Ali ao virar da esquina temporal.

[foto GP]