outubro 30, 2009

As minhas cassetes 59: curtam-me o cabelo destes gajos



e curtam estes gajos a dançar no meio das gajas…e curtam a música e as gajas saídas de um sarcófago dos anos oitenta. Curtam o gajo de fato…curtam…o gajo a seu lado num tapete rolante...

Como os sonhos e os espelhos

Devo a uma confluência mefistofélica ocorrida entre um fogão e a parte eléctrica de um edifício (no qual aparentemente habito), um conjunto de convulsões tenebrosas (do ponto de vista alusivo ao ambicionado marasmo que por aqui se pratica). Terá sido durante a execução de um estufado espantosamente composto e aromático, para não dizer mais, que, sofregamente, o destino murmurou a sua mão raquítica mas omnipresente. Pensei logo num espelho. E depois recordei um sonho nocturno da noite passada. Depois ainda, matutei (por deferência) no J.L Borges, tendo em conta a cópia (para não dizer plágio) do meu pensamento. Mas que porra. Que escrúpulos: ”tenho lá culpa de pensar em cenas já pensadas ou escritas pelo Borges…”. O pior veio depois. Uma desculpa esfarrapada por apreciar leões (olha o Sporting e a juba leo), mas sobretudo tigres e mais tigres. Como o Hobbes. Como este. E como este.  

outubro 27, 2009

Dias de árvore

Era uma estranha forma de melancolia. Era. Subir às árvores no recreio do colégio e ficar a guardar o forte. E olhar. Simplesmente olhar. Uma vez deixei o Luís subir à minha árvore durante um recreio. Estava sol. O Luís estava esquisito. Perguntei-lhe qualquer coisa. Não sei bem se sobre o que ele tinha. Sei que ele respondeu que estava triste porque uma novela tinha acabado. Não sabia bem porquê. Era um vazio. Eu experimentei depois muitas vezes a mesma sensação ao terminar um livro. Talvez por isso (ao contrário do Marcelo Rebelo de Sousa), prolongo a leitura. E até releio. O que interessa é que nesses dias de árvore enxerguei pela primeira vez essa estranha forma de melancolia.  

outubro 26, 2009

dos dias a dias

Tu estás aqui

Estás aqui comigo à sombra do sol
escrevo e oiço certos ruídos domésticos
e a luz chega-me humildemente pela janela
e dói-me um braço e sei que sou o pior aspecto do que sou
Estás aqui comigo e sou sumamente quotidiano
e tudo o que faço ou sinto como que me veste de um pijama
que uso para ser também isto este bicho
de hábitos manias segredos defeitos quase todos desfeitos
quando depois lá fora na vida profissional ou social só sou um nome e sabem
o que sei o
que faço ou então sou eu que julgo que o sabem
e sou amável selecciono cuidadosamente os gestos e escolho as palavras
e sei que afinal posso ser isso talvez porque aqui sentado dentro de casa sou
outra coisa
esta coisa que escreve e tem uma nódoa na camisa e só tem de exterior
a manifestação desta dor neste braço que afecta tudo o que faço
bem entendido o que faço com este braço
Estás aqui comigo e à volta são as paredes
e posso passar de sala para sala a pensar noutra coisa
e dizer aqui é a sala de estar aqui é o quarto aqui é a casa de banho
e no fundo escolher cada uma das divisões segundo o que tenho a fazer
Estás aqui comigo e sei que só sou este corpo castigado
passado nas pernas de sala em sala. Sou só estas salas estas paredes
esta profunda vergonha de o ser e não ser apenas a outra coisa
essa coisa que sou na estrada onde não estou à sombra do sol
Estás aqui e sinto-me absolutamente indefeso
diante dos dias. Que ninguém conheça este meu nome
este meu verdadeiro nome depois talvez encoberto noutro
nome embora no mesmo nome este nome
de terra de dor de paredes este nome doméstico
Afinal fui isto nada mais do que isto
as outras coisas que fiz fi-Ias para não ser isto ou dissimular isto
a que somente não chamo merda porque ao nascer me deram outro nome
que não merda
e em princípio o nome de cada coisa serve para distinguir uma coisa das
outras coisas
Estás aqui comigo e tenho pena acredita de ser só isto
pena até mesmo de dizer que sou só isto como se fosse também outra coisa
uma coisa para além disto que não isto
Estás aqui comigo deixa-te estar aqui comigo
é das tuas mãos que saem alguns destes ruídos domésticos
mas até nos teus gestos domésticos tu és mais que os teus gestos domésticos
tu és em cada gesto todos os teus gestos
e neste momento eu sei eu sinto ao certo o que significam certas palavras como
a palavra paz
Deixa-te estar aqui perdoa que o tempo te fique na face na forma de rugas
perdoa pagares tão alto preço por estar aqui
perdoa eu revelar que há muito pagas tão alto preço por estar aqui
prossegue nos gestos não pares procura permanecer sempre presente
deixa docemente desvanecerem-se um por um os dias
e eu saber que aqui estás de maneira a poder dizer
sou isto é certo mas sei que tu estás aqui

"Tu estás aqui", Ruy Belo, in "Toda a Terra"

outubro 23, 2009

E se perdêssemos tempo com outras coisas?


Normalmente demoro 30 anos a comentar assuntos e temáticas prementes e/ou supostamente pertinentes, a seu tempo actuais. Cansa-me a insana vaidade dos claustros que polvilham os ecrãs, esses palcos irreversivelmente postiços. Aprecio coisas humanas. Em cada dia que passa, e apesar de tudo, prefiro experimentar nojo (sinceramente) sentido pela amálgama de nadas que nos soletra a cada instante e repetidamente um mundo vertiginosamente devasso, decrépito e claustrofóbico, ainda assim demasiado humano, onde manifestamente e com prazer me incluo, a esse outro, asséptico, branquinho, ameno e irremediavelmente velhaco, alicerçado em supostas preocupações com o universo, e a putativa presunção de saber o que é melhor para todos. Incluo neste último, esse mundinho de azulejos de casa de banho e energias (pindericamente) renováveis (com cigarrinhos à mistura no avião e pedidos de desculpa) do sr. engenheiro que governa este país; e um outro mundinho, aquele do somos todos pares desde que na realidade todos estejam em concordância com aquilo que eu digo, essa eterna vanguarda do melhor para todos. Saramago deveria saber que a bíblia não é um livro de história, mas refastela-se na poltrona do seu lado do mundo, o melhor, para ele claro. O problema é quando este (seu suposto mundo) se torna o tal melhor para todos. O escritor (que aprecio e muito no Memorial) chegou àquele ponto da vida em que nos pode mandar a todos (e bem) para o caralho. Ou enlouquecer se lhe aprouver. O resto é conversa afiada que ajuda, e muito, a esquecer rapidamente (por exemplo) as palavras daquele gajo com nome de aviador da 1ª guerra mundial, o delegado sindical dos patrões, o sr. Van Zeller, que afirmou não ser possível cumprir o acordado em concertação social, isto é, conceder uns majestosos 25€ de acréscimo ao salário mínimo de 450€, a esses opulentos dos operários. Os tais que o sr. Saramago defende das impudências da cruz.  

outubro 21, 2009

Gosto bestialmente deste gajo

Sabem como é que o Holden Caulfield, isto é, o Salinger, bem, eu prefiro Holden, acaba “À Espera no Centeio”, sabem? Assim:
“Nunca contem nada a ninguém. Se contam, acabam por ter saudades de toda a gente”
Gosto bestialmente deste gajo, o Holden, quer dizer, o Salinger. Gosto mesmo do Holden.

outubro 19, 2009

“E o que eu tenho de fazer é ficar à espera no centeio e apanhar todos os que desatarem a correr para o abismo”


Confesso que ando às voltas com aquela coisa da literatura contemporânea. Essa merda não quer dizer nadinha, claro. Inutilmente, o (meu) anacronismo clássico resulta agora numa indisfarçável queima de pestanas, pálpebras e até de sobrancelhas a dar a dar para um gosto mais ou menos duvidoso. Para não dizer popular. Nas artes plásticas (ou pélvicas), baliza-se sempre a coisa sem grandes espasmos de nomenclatura até chegar à instalação, coisa vulgaríssima, mas ruinosa do ponto de vista do incrédulo visitante. Podem sempre ler o sr. Augusto França. Na literatura (e nem sequer estou a falar do burgo - a porca torce o rabo até desfalecer - anatomicamente falando). Um gajo mastiga o William Golding enquanto descasca uma banana, e facilmente se enriquece com as tais férias a ler o Ulisses do Joyce, plano insano que remonta ao (meu) modernismo de 1991/2 (e entretanto já lá - me - estão a segredar o sr. Bellow, e um tal de “Herzog”, e eu a pensar, sei lá bem porquê, num outro gajo (Inglês) que vivia no México Debaixo do Vulcão). “Lê isso, lê isso”, dizem-me na penumbra, e eu encaixo um Herzog, ai se encaixo, mas em alemão, só me dá para aí, numa televisão pequenina (Grundig - era uma Grundig), a passar o Aguirre o Conquistador, ui… e o Klaus Kinski, parece que o estou a ver, com uns olhos azuis de criar bicho, de macaco a tiracolo…no meio da água de um caraças de um rio…vê-se bem que é a merda de um rio na América latina… “Herzog o realizador?”, questiono. “Não idiota. O do livro do Below”. 
Mas afinal como se chega ao Salinger, um gajo com nome de pistoleiro fatela? Chega-se à boleia do Enrique Vila-Matas, esse parasita literário que eu considero mais do que o meu gato. Na verdade, o gato não é bem meu, mas não interessa para o caso. Se eu escrevesse, isto é, se eu alguma vez abandonasse os graffitis no meu fato de treino Converse (de cor cinzenta), gostaria de escrevinhar como o gajo. Muito mais, muito mais mesmo, do que rabiscar como o Lobo Antunes nos seus cadernos de receitas do hospital Júlio de Matos. O Salinger ermitão é um gajo difícil de (lá) chegar. É um gajo americano, mas com o caralho de uma alma meio mexicana, ou coisa pior. É um bicho sem mato que o valha. O gajo é mesmo bom. Ou era. Quando o encontrei, por um acaso, não estava em Nova Yorque. Estava em casa (numa das trezentas em que já vivi) a aturar o meu vizinho louco barrido do 2ºandar, espécime rançoso a dar para o coleccionador de garrafas de plástico que juntava religiosamente na sacada entre latas de atum vazias, e, diz-se, tratados de economia política anacrónicos, forjados na pastelaria editora da rua. Era cruel. Mas eu nem sequer tinha pena do gajo, afinal até lhe achava graça enfiado no seu sobretudo nojento, ou (no verão) naquele fatinho de fino corte, igualmente nojento. Mas lá que estava presente quando eu cheguei ao J.D. Salinger lá isso estava.

Adenda: frase título retirada da obra "À Espera no Centeio", J.D. Salinger, Difel, 2005,pp.187.

Ah! Tinha-me olvidado: O cristianinho está a milhas disto



O Maradona não pisca nada de nada de transições, sejam elas quais forem, mas, pelo menos (pelo menos), não rumina artificialidades de cepa duvidosa como o professor Queirós. À parte disso (à parte disso), não esconde a costela pornográfica, o que não é assim tão pouco. Abram-se os armários. É abrir os armários…

outubro 17, 2009

De volta


Só que em vez da pistola trago um machado (achei que a pistola ficaria melhor na fotografia).

outubro 09, 2009

Estava a pensar em literatura contemporânea mas não resisto ao registo boçal nem ao húmus

Lamenta-se a insuficiência de espaço (na capa) para aceder a todos os protagonistas que, de uma forma ou de outra, mas sempre com trabalho e responsabilidade, contribuíram para o estado de gangsterização (é assim mesmo que se escreve) em que se encontra o país chamado, e bem, Portugal. Leia-se o deprimido e visionário (que ninguém lê, nem lembra ao diabo), Raul Brandão. Leia-se:

Roubar já não se chama roubar. Este homem que comanda uma frota da Baía a Tunis, é um financeiro e um poeta [Atente-se, por ex, no Paulo Teixeira Pinto, ex Millennium]. Faz a fome e a fartura. Arruína um povo – e enriquece. Uma revolução, dois, três navios vão pelos ares…Mais negócio, melhor negócio. Este médico, este advogado, este honrado comerciante, exploram-te. Enriquecem. Desçamos na escala: ali à esquina levam-te a carteira com uma nota de dez mil réis. A isto se chama roubar.

Sacado do “Húmus” (1917) de Raul Brandão que por vezes, não raras, assoma a bocas de esgoto armadas em picheleiros da mudança.

As minhas cassetes 56



Bom dia

outubro 08, 2009

Olha ali na estante o prémio Nobel da literatura: Herta Müller

Por acaso temos por cá um exemplar da obra de Herta Müller. Trata-se de “A Terra das ameixas Verdes”, editado com a chancela Difel, conseguido algures num supermercado PLUS, ao quilo. Ainda ninguém o leu. Na hierarquia de leituras anda para aí perdido mas sem escoriações a assinalar. A sua compra terá resultado, dizem-nos, de alguma “visão”, ou quem sabe, femininamente, “intuição”. Em todo o caso, e mesmo não determinando as nossas leituras pelos prémios que recebem, e sabendo-nos anacrónicos, assinale-se inutilmente e em primeira-mão (estamos sempre em directo com Estocolmo), a nova Prémio Nobel da Literatura, Romena de nascimento , vivendo desde 1987 na Alemanha. A Terra das Ameixas Verdes começa assim:
“Emudecemos e tornamo-nos desagradáveis, disse Edgar, falamos e tornamo-nos ridículos”
Entretanto, vou ali tentar colocar um calço na máquina de lavar que abana por todos os lados…

Às vezes é apenas isto



Bom dia