Os raios brancos jorram dum tinido de bainhas, a porta roda nos gonzos e o homem aparece, lívido, entre duas manchas negras. Calvo, de crânio polido, cara barbeada, os cantos da boca metidos para dentro como os dos velhos dos asilos, a camisa largamente cortada, um casaco escuro sobre os ombros, ele caminha afoitamente; e os seus olhos vivos, inquietos, perscrutadores, percorrem todas as caras; o seu rosto volta-se para todos os rostos com um movimento compósito que parece feito de mil tremores. Os seus lábios estão agitados; dir-se-ia que murmuram: «A guilhotina! A guilhotina!» Depois, cabeça inclinada, o olhar penetrante fixado a direito na linha da báscula, ele avança como um animal que puxa a charrua. De súbito, choca com a prancha e da sua garganta eleva-se uma voz fina, acre, como um tilintar rachado, com uma nota alta, aguda, sobre a palavra assassino duas vezes repetida.
Um batimento surdo; uma manga de sobrecasaca com a marca branca da mão
sobre o prumo esquerdo da guilhotina; um choque delicado; um movimento de
pessoas para a fonte sangrenta que deve jorrar; a cesta escura e luzidia
atirada para dentro de um dos vagões; trinta segundos para tudo isto desde a
porta da prisão.  
“Instantes”, in Coração Duplo, vol.2. Marcel Schwob. Tradução de Raúl Henriques.
Cavalo de Ferro. 
[baseado]

 
 
 
 
 
 
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3 comentários:
os contos do Schwob são únicos e fizeram escola. ah, e bota o "vidas imaginárias" na estante, aquilo é pai de muito menino...eheheh
Cannibal Corpse ainda vão a jogo?
ei:)
o vidas imaginárias ainda não lhe deitei a mão, mas sei que o Vila-matinhas e o borges admiravam...
os Corpse acho que vão ao banco e normalmente entram na segunda parte, perto do fim ahahaha
:
http://www.youtube.com/watch?v=gNhN6lT-y5U
ahahahahah às vezes
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