dezembro 06, 2012

Carta da semana: e quem apanha as canas?


Companheiro de luta Cavaco: não se inquiete. Companheiro de luta Cavaco?... ei, companheiro de luta Cavaco? Ah!, não faz mal, bem sabíamos que o companheiro não andava por aí, consegue estar por perto sem andar por aí, ou por aqui, e sem ver, quer dizer, a olhar sem ver, é um sinal de que o silêncio germina mesmo nos locais mais inóspitos.  Não será o mesmo silêncio dos nossos dentes a rasgar a pele, nem o silêncio das noites sem dormir, esse silêncio amplo que nos acolhe em cachos e cuja membrana se cola ao corpo resistindo ao duche e à pedra-pomes, vossa excelência exala essoutro silêncio mofento das penumbras mais recônditas, dos acatares sombrios da mais tenebrosa indiferença, vossa excelência, creia-me, está tão imbuído do tempo antigo que o confunde com as autoroutes por vós tão agigantadas e que nos levam a lado nenhum. Os conselhos do companheiro, não duvide, foram escutados aqui na rua: já não escondemos as adulações mas em breve esconderemos a realidade. A vizinha de cima lá vai plantando flores, mas como ninguém (até ver) as come, entremeia com tangerinas e limões que não colhe, e além estruma um talhão com meia dúzia de couves e alfaces. O da frente lá vai mijando nos canteiros sempre que pode, demarcando o seu território de meia rua, para ele nada melhor que os produtos agrícolas made in continente ou made in pingo doce, fresquinhos e encerados, que a vida custa a todos. A Farrusca já não aparece, anda a cavalo pela sua propriedade de 20 metros quadrados a tentar perceber o que de melhor ali se dá, seguindo o conselho do companheiro Cavaco de voltarmos à lavoura, essa mesma que o companheiro empacotou em remessas enviadas com a nossa alma nos idos noventa, para a tal de Europa, quando éramos modernos. Os fantasmas da frente esquerda-cima confundem-se com reposteiros de época, parece que vão tentar a sorte como figurantes de um filme do Oliveira. Os outros aguardam os saldos para comprar oleados: vamos todos dedicar-nos à pesca. Não se inquiete, seguimos os seus conselhos. Quem anda à chuva molha-se.  

4 comentários:

Gerónimo Cão disse...

na mouche, ou isso:)
para mais, os acatares sombrios:)

até

Gabriel Pedro disse...

:) aqueles acatares são sempre sombrios, não?

já lá passo...
hasta

Anônimo disse...

texto fixe, vizinhança interessante.
de acordo consigo quanto ao sr silva...


DD

Gabriel Pedro disse...

:) já não é pouco

apareça