março 02, 2009

Os clássicos e os outros menos clássicos

Estava deitado na cama a reler “Este Oficio de Poeta”, resultado de um conjunto de palestras dadas por J.L Borges na Universidade de Harvard, enquadradas no Curso Norton, corria o Outono de 1967, por cá editadas com a chancela da Teorema, quando me deparei com o seguinte, na página 53: Os homens têm buscado o parentesco com os heróis derrotados, não com os Gregos vitoriosos. Talvez seja porque há na derrota uma dignidade que dificilmente pertence á vitória. É claro que isto é uma mera opinião. Podemos acrescentar que nem todos os derrotados são heróis (nem quiseram ou não puderam sê-lo). Ou que existem várias tipificações para derrota. Ou ainda que, se quisermos, nas batalhas e nos poemas épicos do passado todos são heróis (ou quase todos). Ou até, se pretendermos armar ao pingarelho, afirmar que derrota também significa”roteiro”, “viagem”, “itinerário”. Vista sob qualquer das perspectivas a derrota do Sporting com os latagões de Munique, pode (e se calhar deve) à primeira vista (sempre turva) ser encarada como “falhanço”, “insucesso”, “perda”, “destroço”, ou ainda, afastamento do “percurso” ou perda da “rota”. Sucede que, embora correcta, a análise peca por ser epidérmica e simplista. É um facto que a história do Sporting se faz mais de malogros na praia do que sucessos. Ora isso também faz cama. Moí. Cresce. Diz-se até que o melhor ano do Sporting foi aquele em que quase ganhou tudo: taça UEFA, campeonato, taça. Tudo isto é, perdoem-me, genético. Mas desta vez foi diferente. Os incautos, valorizaram uma suposta “vergonha” afirmando que antigamente era diferente. Antigamente quando, 10 anos, 25 anos, 40 anos? No tempo de Homero (um tipo que nem se sabe bem se existiu)?
O que aconteceu foi uma epifania: sofrimento; auto-flagelação; abismo; anti-heróis. Um épico ao espelho. Literatura. Ou quase. Eu diria: lenda. E para isso é preciso morrer. Nada mais será como dantes e estes anti-heróis reinventam o “eis o Sporting”. Isto também ganha cama. Cresce. Mas não se sabe onde vai dar. No sábado foi diferente com os tamanqueiros no Dragão de Komodo. Veio-me logo à memória (e a minha memória é coisa fraca e conservada em álcool) um livro de Ernst Jünger, “Tempestade de Aço”, em Alemão In Stahlgewittern (lindo este som), sobre a 1ª guerra mundial e a (sua) experiência nas trincheiras. Todavia o exemplo não me parece o mais indicado. Com efeito, os homens das trincheiras, derrotados ou vitoriosos, foram heróis dignos. Ou talvez a denominação “heróis” já não seja a mais apropriada. Talvez “vítimas” dignas fosse mais apropriado. Mas à distância dos cadáveres, preferimos sempre “heróis”. De qualquer modo no jogo de Sábado não se vislumbraram heróis ou qualquer sucedâneo, vítimas ou suplicantes, mas uma espécie de luta de galos algures num arrabalde da cidade do México. O Sporting podia ter ganho. Mas fico com a sensação que desfez a cama. E estava tão quentinho.

Adenda: com isto voaram uns bons vinte Euros, gastos na tasca em tabaco e cerveja (Bohemia, claro).

Um comentário:

Anônimo disse...

O melhor artigo(crónica)sobre futebol, que li nos últimos tempos. Tem tudo lá dentro e está bem escrito..