novembro 16, 2009

Um poema de um poeta às vezes lembrado

"Onde é que te nasceu" – dizia-me ela às vezes – 
"O horror calado e triste às coisas sepulcrais? 
"Porque é que não possuis a verve dos Franceses 
"E aspiras em silêncio os frascos dos meus sais? 

"Porque é que tens no olhar, moroso e persistente, 
"As sombras dum jazigo e as fundas abstracções, 
"E abrigas tanto fel no peito, que não sente 
"O abalo feminil das minhas expansões? 

"Há quem te julgue um velho. O teu sorriso é falso; 
"Mas quando tentas rir parece então, meu bem, 
"Que estão edificando um negro cadafalso 
"E ou vai alguém morrer ou vão matar alguém! 

"Eu vim – não sabes tu? – para gozar em Maio, 
"No campo, a quieteação banhada de prazer! 
"Não vês, ó descarado, as vestes com que saio, 
"E os júbilos que Abril acaba de trazer? 

"Não vês, como a campina é toda embalsamada 
"E como nos alegra em cada nova flor? 
"Então porque é que tens na fronte consternada 
"Um não sei quê tocante e de enternecedor? 

E eu só lhe respondia: - "Escuta-me. Conforme 
"Tu vibras os cristais da boca musical, 
"Vai-nos minando o tempo, o tempo - o cancro enorme 
"Que te há-de corromper o corpo de vestal. 

"E eu calmamente sei, na dor que me amortalha, 
"Que a tua cabecinha ornada à Rabagas, 
"A pouco e pouco há-de ir tornando-se grisalha 
"E em breve ao quente sol e ao gás alvejará! 

"E eu que daria um rei por cada teu suspiro, 
"Eu que amo a mocidade e as modas fúteis vãs, 
"Eu morro de pesar, talvez, porque prefiro 
"O teu cabelo escuro às veneráveis cãs!" 

"Ironias do desgosto", Cesário Verde, Lisboa, 1874.

Nenhum comentário: