abril 24, 2013

No limbo de Staryje Doroghi alguns verdugos não metiam férias



Perante aqueles fantasmas, perante o eu mesmo de Buna, e perante a mulher da lembrança e a sua reencarnação, senti-me mudado, intensamente «outro», como uma borboleta perante uma larva. Ali no limbo de Staryje Doroghi sentia-me sujo, esfarrapado, cansado, grave, esgotado pela expectativa, e apesar de tudo jovem e cheio de potências e virado para o futuro: Flora, em contrapartida, não tinha mudado. Agora vivia com um sapateiro bergamasco, não conjugalmente mas como uma escrava. Lavava e cozinhava para ele, e acompanhava-o com olhos humildes e submissos; o homem, taurino e simiesco, vigiava todos os passos dela, e batia-lhe selvaticamente á mínima sombra de suspeita. 


“A Trégua” (pp. 191-192), Primo Levi. Tradução de José Colaço Barreiros. Teorema.

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