outubro 27, 2014

Tudo ameaça com a ruína um jovem



A busca dessa primeira frase grandiosa, de que nos fala Sam Savage no início de "Firmin", a procura (e já agora o encontro) do grande começo, nem sempre desagua num romance inesquecível ou num grande livro. Tem dias. Para mim o grande começo: Hoje a mãe morreu. Ou talvez ontem, não sei bem, de “O Estrangeiro” de Albert Camus, indicia e antecipa o grande livro. Eu tinha vinte anos e não permitia que ninguém dissesse ser essa a mais bela idade da vida, assim é o início de “Aden-Arabia” de Paul Nizan, publicado originalmente em 1932, dando-nos logo vontade de passar para a frase seguinte e nunca mais parar. Será assim?

outubro 26, 2014

Era o que pensava ter dito, mas estava mudo


Sabeis que uma palavra, mesmo pronunciada no coração da floresta mais profunda, não permanece lá imóvel, sobretudo quando escrita ou mesmo dita a outros (…)

Ivo Andric, "O Pátio Maldito".

Periódico La Pelota


Das duas três: ou a bola mudou de país (buena suerte), ou o burgo agora é uma província de Espanha. Exigimos um referendo. 

outubro 23, 2014

É inútil, muito obrigado


Eu estimo sobre tudo os teus olhos incolores
as tuas mãos inúteis, a tua boca verde

Eu falo somente dos relógios caídos, dos autocarros

Eu falo somente dos pés vermelhos

Eu falo... eu falo... eu falo...

No vigésimo século as nuvens são árvores
e os pássaros mais pequenos grandes paquidermes

Sim, é verdade, os cabelos loiros

Então, meia-noite!

Senhora, se me dá licença, este dia acabou
por este dia
simplesmente

A criança é porca, é inútil

Muito obrigado.


António Maria Lisboa, "Varech"

outubro 22, 2014

Ya ni gavaryú pa-rússki

Gazprom 4 - Sporting Clube de Portugal 3

Ontem ficamos a saber que bola na cara dentro da grande área é penalti. A sorte é que não dá direito a cartão. Caso contrário, ainda expulsavam o Silva por não colocar a cara atrás das costas. Devemos então estar satisfeitos: apenas o Maurício foi expulso, depois de ter piscado o olho a um adversário de forma lasciva; um dos golos do chalca não é precedido de fora de jogo porque o jogador ainda se encontrava dentro do campo embora desposicionado; os árbitros na Rússia têm tendência a apitar contra equipas cujo equipamento é da cor de um dos cartões. De resto, já se sabia que a liga dos cabrões não é para pobres ainda que estes tenham algumas histórias a contar. O facto de a equipa de arbitragem e um dos patrocinadores do chalca e da liga dos cabrões serem russos, não nos remete para a arrecadação dos incrédulos, não, apenas confirma que a história, ou as histórias, também se compram.  

outubro 21, 2014

No seu trágico desespero arrancava brutalmente os cabelos da sua peruca*



Confirma-se, Portugal é só cenário. O nosso país é como aquelas cidades falsas de Hollywood, onde filmavam os western. Vai-se a ver e, por trás, não há nada, e está tudo equilibrado com umas estacas. Nem as balas são verdadeiras. Ninguém morre mesmo. Voltam sempre a aparecer. O BES era uma fortaleza de cartão. O Salgado um génio das finanças com traseiras de Dona Branca. Zeinal Bava, um dos "premiados melhores gestores mundiais", não aguentou uma auditoria para se transformar num Godinho Lopes das telecomunicações.

(sacado daqui, original aqui)


(* frase sacada de um epigrama de Carlos Díaz Dufoo [filho] – in "Bartleby & Companhia" de Vila-Matas)

Acordar com isto a tamborilar na cabeça


You're the buyer or the seller
Makes you want what you can have
I'm glad I made you cry

Makes you go where you can't go
Makes you want what you can't have
Desire

Don't think, don't think, don't think
Don't think, don't think, don't think
Go buy, go buy, go buy

Don't think, don't think, don't think
Go buy, go buy, go buy
Don't think, don't think, don't think
Don't think, don't think, don't think

Buying the moment
Sometimes I want to die in my bed
All I can think about is when are we leaving
Every time I think of you I want a cigarette

Man chooses himself
Hero with a thousand faces
It's the third night and the walls are shaking
Boys buying boys

Pleasure bringing pain it's all the same
I put my hand by my mouth
So I know I'm still breathing

So we joked about the TV set
Calling in the eye of hell
I would love to have people see what I see
I would love to be a pillar of strength in my community

A little order a little grace
Something new to fill up this place
Live thousand lives by picture
Mark this song is for you

Don't think
Go buy

I'm a lousy lover I give and never take
Makes you go where you can't go
Makes you want what you can't have

Makes you want what
You can't have what
Makes you want what
You can't have what

Makes you want what
You can't have what
Makes you want what
You can't

Can't have, can have
Can't have, can have
Can't have, can have
Can't have, can have
Can't have

Live a thousand lives by picture
Live a thousand lives by picture
Live a thousand lives by picture
Live a thousand lives

Live a thousand lives by picture
Live a thousand lives by picture
Live a thousand lives by picture
Live a thousand lives

Live a thousand lives by picture
Live a thousand lives by picture
Live a thousand lives by picture
Live a thousand lives


Tuxedomoon, "Desire".

outubro 18, 2014

Tudo depende do que quiserdes ver...


Três buchas na fruteira. E agora, de enfiada, um arrozinho de polvo acompanhado de um tinto alentejano a fingir que é encorpado. Fabuloso. Com licença.

outubro 17, 2014

Retratos imaginários


Em geral os biógrafos acreditaram, infelizmente, que eram historiadores. E assim nos privaram de retratos admiráveis. Acharam que só a vida dos grandes homens podia interessar-nos. A arte é estranha a estas considerações. Aos olhos do pintor, o retrato que Cranach fez de um homem desconhecido tem tanto valor como o retrato de Erasmo. Não é graças ao nome de Erasmo que esse quadro é inimitável. A arte do biógrafo seria dar o mesmo preço à vida de um pobre actor e à vida de Shakespeare. É um baixo instinto, o que nos dá prazer quando notamos o encurtamento do esterno-mastoideu no busto de Alexandre, ou a madeixa da testa no retrato de Napoleão.

Marcel Schwob ("Vidas Imaginárias")

Onde é que fica isso, ah?



Kobane

outubro 12, 2014

Lá calhou de amanhecer assim


Aconteceu-me com os Sigur Rós o mesmo que com o Devendra Banhart: deixei de os conseguir ouvir. Só a espaços. Hoje foi um deles. Recordo-me de ouvir o "Untitled" (2002) e depois o “Takk” (2005), deitado no quarto às escuras, talvez inventando as letras, quem sabe percebendo que não tinha importância nenhuma. Depois a banda ainda tentou mudar de galho mas sem sair da mesma árvore. Com o Devendra foi diferente, este saltou, mas algo se perdeu no caminho.  

outubro 10, 2014

"A realidade é como um chulo drogado"


De repente, segundo exprimiu a testemunha, os cães puseram-se a tremer, como se tivessem farejado um tigre ou um urso. Mas, como aqui não há tigres nem ursos, imaginei que tinham farejado o fantasma de um tigre ou de um urso. Conheço os meus cães e sei que, quando começam a tremer e a rosnar é por alguma coisa justificada. Fiquei com curiosidade, por isso, depois de dar pontapés aos cães para se portarem como machos, dirigi-me decididamente para o regato.

Roberto Bolaño (“2666”)

Acordei com isto na cabeça...

outubro 03, 2014

Creio que não creio

no creo en la vía violenta
me gustaría creer
en algo pero no creo
creer es creer en Dios
lo único que yo hago
es encogerme de hombros
perdónenme la franqueza
no creo ni en la Vía Láctea.

Nicanor Parra, “No Creo en la vía pacífica”

Olha, tenho mesmo que arranjar isto


por exemplo...




outubro 01, 2014

Passadeira vermelha


Uma coisa é certa, aqueles comentadeiros do jogo de ontem transmitido pelo pasquim televisivo TVI têm futuro assegurado como valets de Mourinho (a continuação do bom trabalho poderá ainda dar direito a um estágio na tv do carnide lamparinas).